Advogado pede 'decência' a juiz durante audiência sobre mortes de gêmeas em Igrejinha e é denunciado por desacato
Advogado José Paulo Schneider dos Santos (à esq.) defende a mãe das gêmeas que morreram em Igrejinha Arquivo pessoal O Ministério Público (MP) denunciou ...

Advogado José Paulo Schneider dos Santos (à esq.) defende a mãe das gêmeas que morreram em Igrejinha Arquivo pessoal O Ministério Público (MP) denunciou à Justiça um advogado pelo crime de desacato após ele pedir "decência" a um juiz durante uma audiência de um caso criminal em Igrejinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre. A denúncia chegou à Justiça em 18 de outubro. O episódio aconteceu em abril deste ano durante audiência de instrução na 1ª Vara de Justiça de Igrejinha sobre as mortes de gêmeas que aconteceram em um intervalo de oito dias entre uma e outra – a mãe delas, Gisele Beatriz Dias, de 43 anos, é ré pelo crime e vai a tribunal do júri. Na ocasião, o advogado que defende a mãe das irmãs, José Paulo Schneider dos Santos, disse que o juiz Diogo Bononi Freitas não tinha condições morais, éticas, profissionais e decência para conduzir o processo após ter sido interrompido diversas vezes enquanto falava durante depoimento do delegado que liderou a investigação do caso. Veja abaixo: 📱 Baixe o app do g1 para ver notícias do RS em tempo real e de graça Confira a transcrição da audiência Advogado Delegado, eu quero entender: o senhor teve preocupação com as crianças? [Com o pai das gêmeas] para não indiciá-lo indevidamente? E com a questão psicológica da minha cliente? Delegado Tive preocupação de apurar, de identificar o máximo possível de elementos. Me sinto até hoje muito tranquilo quanto a isso. Acho que fiz bem meu trabalho. Advogado O juiz vai me interromper de novo em plena defesa. Qual a interrupção agora, doutor? Juiz Interrompi porque a pergunta está indeferida. O senhor já a fez. Advogado Não estava repetida. Está tudo sendo gravado. Às 11h34, faço mais uma arguição de suspeição. O senhor não analisou meu pedido anterior, mas analisou o do delegado. O senhor não está deixando eu trabalhar. Já pronunciou a Gisele e quer condená-la. O senhor não reúne condições morais, éticas e profissionais para este processo. Juiz O senhor pode entrar com exceção de suspeição pela via correta. Pode seguir com as perguntas. Advogado Delegado, aliás, juiz, a via correta é por petição. O senhor respondeu o delegado às 21h, fora do plantão. Tenha ao menos decência ao conduzir um processo criminal. Juiz Constitua em ata que será oficiado à OAB sobre a conduta do advogado. Pode prosseguir com as perguntas. Advogado Constitua também que os abusos cometidos serão oficiados ao CNJ e à Corregedoria. Pedi resposta de ofício e o senhor não deu. O senhor não gosta de ser contrariado. Se não quer ouvir, trabalhe com decência. Juiz O senhor está me chamando de indecente? Advogado Sim. E não respondo por injúria ou difamação. Está conduzindo indecentemente. O delegado aceitou a pergunta e o senhor o interrompeu. Esse advogado não tem medo de ofício. Não vou me calar. Juiz Vamos tentar continuar a audiência. Advogado O senhor tira minha palavra. Posso falar sem ser interrompido? Juiz O senhor pode perguntar. Eu presido a solenidade e indefiro quando necessário. Isso é normal. Advogado A calma é tirada pelo abuso do senhor. Se o senhor não abusar do seu poder, manteremos a calma. Juiz Se o senhor entende que sou parcial, proponha exceção. O tribunal decidirá. Advogado Não tenho problema com a presidência, mas sim com a que fere a paridade de armas. O senhor disse que não deixo falar, mas o senhor não me deixa. Juiz Pode fazer quantas perguntas quiser. Advogado Respeito sua presidência até que ela se torne desproporcional. O delegado repetiu-se várias vezes e o senhor não pediu objetividade. Quando a defesa trabalha, o senhor pede objetividade. Isso fere a paridade de armas. Juiz Pode prosseguir com as perguntas. Término da audiência A audiência terminou e o magistrado acionou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para apurar o comportamento do advogado, além da Polícia Civil, cuja investigação foi o que acabou levando o MP a denunciá-lo. O MP propôs ao advogado, em agosto deste ano, uma transação penal pelo crime de desacato. O acordo leva ao arquivamento do processo desde que seja cumprido o que foi proposto: pagamento de R$ 4 mil. A proposta foi recusada pelo advogado. Agora, o MP pede a suspensão condicional do processo mediante pagamento de um salário mínimo e que o advogado compareça mensalmente ao fórum. Por meio de nota, Schneider explicou que suas "condutas e ações foram realizadas durante a defesa da minha cliente e no exercício da minha profissão, não tendo qualquer conotação ou objetivo de atacar ou desacatar o magistrado. Foi uma reação combativa e proporcional às violações ocorridas durante todo o processo" (leia a nota, na íntegra, abaixo). Ele entende que o pedido de decência tem respaldo na legislação, que não vê como injúria ou difamação quando a ofensa é feita em juízo, na discussão da causa, pelo advogado. Schneider afirma que o pedido foi de decência processual na condução do processo, sem a intenção de ofender o juiz, que agiu no exercício da profissão e pediu desculpas. Em nota, a OAB RS informou que "repudia qualquer tentativa de criminalização do exercício da advocacia, defendendo de forma firme e intransigente as prerrogativas da classe e a liberdade profissional de advogadas e advogados". Veja os vídeos que estão em alta no g1 Nota do advogado "O processo penal, sobretudo o júri, é local em que se estabelecem debates sensíveis, complexos e, por vezes, acalorados. Não raro, assistimos episódios de fortes embates entre as partes. Agora, o que não se pode é criminalizar o embate, que, no mais das vezes, ocorre no calor do momento. Explico que minhas condutas e ações foram realizadas durante a defesa da minha cliente e no exercício da minha profissão, não tendo qualquer conotação ou objetivo de atacar ou desacatar o magistrado. Foi uma reação combativa e proporcional às violações ocorridas durante todo o processo. Consigno, ainda, que está defesa é realizada de forma pro bono, sem custos. Trata-se de uma mulher acusada de matar suas duas filhas, gêmeas, num espaço de oito dias. A defesa é extremamente sensível e complexa. Defendo uma mulher que, antes das mortes das filhas, tentou o suicídio. Tudo piorou para a defesa quando ousei denunciar uma tortura que minha cliente diz ter sofrido. Segundo ela, no dia da sua prisão, policiais penais (não identificados até hoje) lhe acusaram e julgaram sumariante. Torturaram-na, arranando-lhe um dente, de tanto lhe espancar. Ousei denunciar tais fatos em uma audiência e na imprensa A partir daí minha defesa virou um verdadeiro desafio. Não é demais lembrar que o mesmo magistrado, que agora de se diz vítima, determinou, de ofício, a abertura de processo correcional contra mim, por suposta perda de prazo para apresentação da resposta a acusação. Ocorre que não perdi prazo algum. Está lá no evento 30 dos autos a prova de que cumpri como prazo para a defesa prévia. Quando falo de decência processual é disso que se trata. É legal/decente determinar a abertura de investigação disciplinar por uma perda de prazo que não ocorreu? Pois é. Reforço que em momento algum pretendi ofender moral ou profissionalmente o magistrado, apenas combati, de forma enérgica, a série de violações e abusos de poder por ele perpetrados, que inviabilizam a plena defesa e a paridade de armas no processo penal. Embora eu não tenha tido a intenção de ofender o magistrado, consigno minhas sinceras escusas, caso ele tenha se sentido ofendido. Registro, por fim, que recebo essa tentativa de criminalização da minha advocacia com a serenidade de alguém que atua dentro dos limites da ética e técnica processual, mas que jamais irá se curvar ou acovardar diante abusos de poder e de violações aos direitos fundamentais. Como diria a música, “paz sem voz, não é paz, é medo!”. E não se faz defesa criminal com medo. José Paulo Schneider OAB/RS 102.244" Nota da OAB "A Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Sul repudia qualquer tentativa de criminalização do exercício da advocacia, defendendo de forma firme e intransigente as prerrogativas da classe e a liberdade profissional de advogadas e advogados. A Ordem gaúcha acompanha o caso desde o acontecimento dos fatos e presta assistência ao advogado José Paulo Schneider dos Santos, denunciado pelo Ministério Público sob a alegação de desacato durante audiência realizada na Comarca de Igrejinha. A OAB/RS reafirma que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal. Eventual apuração de conduta deve ser feita pela OAB, órgão competente para tal, sempre observado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa — pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito." VÍDEOS: Tudo sobre o RS